quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Finíssimo fala com Ronaldo Fraga sobre desfile infantil que abrirá Brasília Fashion Festival

Publicado em 21.10.2009 por http://finissimo.com.br/radar/2009-10-21/ Texto e fotos: Thaís Gonçalves Cunha, do Finíssimo Orientador dos grupos de artesãs que desfilam no Brasília Fashion Festival desde a primeira edição do evento, em 2006, o estilista mineiro Ronaldo Fraga tem também outra missão importante na semana de moda: é ele quem abre o line up da edição Alto Verão 2010, que começa no dia 31. Celebrado estilista que desfila na São Paulo Fashion Week, pela primeira vez Ronaldo fará um desfile exclusivo com 35 looks da marca ‘Ronaldo Fraga para filhotes’. Em entrevista ao Finíssimo, revelou alguns detalhes da coleção, mas não todos. “Vou fazer uma surpresa porque senão o povo lê e nem vai lá. Fazer um desfile de criança às 16h não é fácil”, brincou. E alguém duvida que a sala vai estar lotada? As peças seguem o mesmo tema da coleção Verão 2010 do estilista, que se inspira em uma Disneylândia latina. Mas não fica só nisso. Ronaldo deve misturá-las a clássicos que estão na memória afetiva da marca. Segundo ele, é isso que atrai a atenção dos pais dos pequenos consumidores. "De pirraça", o designer não faz as peças infantis em tamanhos maiores. “Queria fazer uma coleção que os pais morressem de vontade de ter no tamanho deles”. Um dos pioneiros da geração atual da moda brasileira a desenhar para crianças, ele critica a linha adotada por algumas marcas que estão "explorando" o mercado para pequenos. "O problema do mercado infantil de hoje está totalmente erotizado, sou contra isso. Faço roupa para criança" Durante a entrevista ele torceu o nariz para o mercado de moda brasileiro atual, elogiou o Brasília Fashion Festival e ressaltou a beleza da arte brasiliense. “Agora com 50 anos de história é que Brasília tem um início de identidade artesanal, resultado de uma mistura do Brasil inteiro e isso é maravilhoso”, afirma. "No Brasil, as pessoas têm a ignorância de associar o artesanato ao pobre, que é coisa de pobre, para ajudar pobre e, portanto, tem que ser barato; é visto como cafona, caipira e eu acho que é um preconceito que temos que varrer para debaixo do tapete. Quando você tem um pouco mais de informação e abre os olhos para o mundo, você vê que é justamente o inverso", diz. Abrindo a tradicional série de reportagens prévias dos desfiles dos eventos de Brasília, o Finíssimo bateu um papo com o estilista: O tema da coleção dos pequenos é a mesma Disney latina da coleção para adultos apresentada na São Paulo Fashion Week? O quão a linha adulta influencia na infantil? É um desdobramento? Sim, é o mesmo tema. Normalmente divido a coleção infantil em três partes: memória afetiva, clássicos da marca e outra parte é relacionada ao tema da coleção adulta. A linha adulta influencia em tudo na infantil, porque o que está na coleção é o DNA da marca adulta, uma coisa que eu nunca abri mão, foi o que me deu liberdade e desenvoltura para partir para uma coleção infantil sem que com isso eu criasse miniaturas da marca de adulto, que é um assunto sobre o qual sou extremamente crítico: essa história de a criança se vestir igual aos pais. Meu objetivo ao desenvolver a coleção foi justamente o inverso, queria fazer uma coleção que os pais morressem de vontade de ter no tamanho deles e eu não fizesse. Eu acabo fazendo uma estampa duas ou três estações depois, mas eu procuro preservar essa linha infantil. Modelos mirins não serão maquiadas nem terão o cabelo preparado: "a beleza delas é natural" Que público ela busca alcançar? Crianças em geral. Claro que quando eu falo de memória afetiva da marca, eu acabo chamando atenção para os próprios pais. As crianças de hoje são totalmente diferentes da criança que eu fui, elas têm um poder de escolha muito maior. Uma criança de quatro anos escolhe o que quer vestir, com todos os problemas que isso possa ter, estamos em um tempo muito permissivo. O problema do mercado infantil de hoje está totalmente erotizado, sou contra isso. Faço roupa para criança. Você pode nos adiantar alguma coisa sobre a coleção que será desfilada no BFF? Algo sobre modelagem, tecidos, cores, acessórios? Antes de qualquer coisa é uma roupa confortável, com uma modelagem ampla como a coleção de adulto e, ao mesmo tempo, é absolutamente gráfica. Misturo bordado, estampas, com tecidos sempre bases e 100% algodão. As cores vão desde o branco, marfim, gelo até cores fortes como laranja, vermelho, pink e amarelo. Vão desfilar também bolsas e sapatos da marca, em 35 looks. Peças seguem o mesmo tema da coleção Verão 2010 do estilista, que se inspira em uma Disneylândia latina Você ampliou os pontos de venda da linha infantil – nas multimarcas – e optou por vender sua linha prêt-à-porter apenas em sua lojas. É isso mesmo? É isso mesmo porque as multimarcas no Brasil me incomodam muito. A minha roupa precisa de um cenário muito bem construído e eu estava cansado de estar com a marca adulta em multimarcas que mudavam o mix de produtos e a cara da loja de acordo com a marca que tinha bombado na última temporada de Paris. Eu não sou assim, não trabalho assim, meu trabalho não tem nada a ver com isso. Para atender o atacado tanto infantil quanto adulto eu teria que montar uma empresa muito maior do que a que eu tenho hoje e eu não estava disposto a fazer isso, então as roupas adultas estão exclusivas na loja e as infantis são distribuídas em multimarcas. O quão vantajoso você acredita que seja o mercado de roupa infantil hoje? Eu nunca pensei nisso. Aliás, eu detesto qualquer conversa ligada a dinheiro. Aquilo que é feito com prazer, que a pessoa se joga, se entrega e que busca qualidade fatalmente vai alcançar o sucesso. Quando eu comecei a trabalhar com criança não foi pensando no mercado, nunca pensei nisso, acho ridículo. Na época que eu comecei a fazer moda infantil ninguém fazia, agora virou moda todo estilista ter sua marca ‘mini’ e não é uma coisa fácil ter outro negócio, mas me dá prazer. Então eu estou na moda e rezo a cada coleção terminada que eu mantenha o prazer em continuar fazendo. Fora isso, a moda como é feita hoje no Brasil é uma coisa muito chata, é um vazio pouco explorado no sentido da transformação do tempo, no diálogo do tempo que a gente está vivendo. Esse é o lugar da moda que me interessa. E o que te incomoda mais na moda brasileira que talvez a transforme nesse vazio ao qual você se referiu? As perguntas, as abordagens, o que as pessoas procuram. Temos um rombo, um abismo entre grupos sociais no Brasil em que fatalmente você vai fazer roupas para a elite e a elite no Brasil é muito chata; a elite no Brasil é muito burra. O dinheiro no Brasil está mudando de mão e quando você pensa que não vai ficar pior... vai ficar pior sim. Isso me incomoda profundamente. E eu, claro, acabo dependendo desse grupo também, com todas as concessões que eu acabo fazendo, ou não. Você vai ser curador da Minas Trend Preview, cujo tema é ‘Oficina’. O que você pode adiantar sobre o evento? A cada edição – essa é a segunda que eu faço – eu procuro dar um codinome para o evento, esse vai ser o Minas Trend Preview Oficina, não interessa se ele é no verão ou no inverno. O evento de abertura tem que funcionar como cartão de visitas para a imprensa, compradores sobre o que está sendo produzido de moda em Minas. Muito mais do que vender roupa, que essa abertura venda o estado de Minas e o que está sendo produzido lá. O tema oficina foi a forma que eu encontrei de expor a identidade mineira, que é a cultura do ‘feito a mão’, que inclui artesanato, inclui música, literatura, dança, arte contemporânea. A cultura de Minas é manual. "Aqui [em Brasília] é onde o Brasil se encontra, então é maravilhoso ver nas sutilezas referências do nordeste, da Amazônia, do Mato Grosso, de Minas" O envolvimento com o artesanato tem sido uma constante entre os estilistas e é uma parceria que você tem feito já há bastante tempo. Você acha que o artesanato está fadado a ser consumido apenas por uma pequena parcela da população? Eu acredito que o artesenato vai caminhar para ser cada vez mais feito para poucos. A renda em extinção tem que ser cara. Hoje a filha de quem faz artesanato ganha muito mais dinheiro com a prostituição do que fazendo renda, elas preferem namorar. Isso tem que ter um valor justo, que pague a história dessas pessoas. O público tem que adquirir uma cultura para enxergar valor nisso, no tempo que isso demora para ser produzido e, mais do que isso, a herança que veio de famílias para se chegar às novas gerações do artesanato. Que a gente consiga que as pessoas tenham a sensibilidade de saber que quando elas estão comprando uma peça daquelas, elas estão comprando mais do que uma peça, elas estão dando um estímulo para que essa manifestação não acabe no país. Para a moda, essa é uma grande saída para a construção de uma moda com uma marca verdadeiramente brasileira. O mercado internacional não quer consumir a nossa viscolycra, isso o mundo inteiro produz. A moda pode vender muito mais do que roupa, ela pode vender uma cultura inteira. A saída quando trabalhamos num grupo de artesanato é projetar esse trabalho para o mundo todo. No Brasil, as pessoas têm a ignorância de associar o artesanato ao pobre, que é coisa de pobre, para ajudar pobre e, portanto, tem que ser barato; é visto como cafona, caipira e eu acho que é um preconceito que temos que varrer para debaixo do tapete. Quando você tem um pouco mais de informação e abre os olhos para o mundo, você vê que é justamente o inverso. Hoje, no mundo onde tudo tem a mesma cara, todas as manifestações são extremamente bem-vindas. Como você avalia o formato do Brasília Fashion Festival? Em que sentido ele é promissor ou vantajoso? Acho o BFF superinteressante porque quando ele coloca designers estabelecidos ao mesmo tempo em que estimula novos talentos, somando-se ainda aos grupos de artesanato, isso é uma mistura única no mundo. Não é fácil coordenar três linhas diferentes. Mais que humanizar – porque esse evento humaniza a escola da moda – ele deixa uma marca. Aqui no Brasil nós não somos muito dados a valorizar essas coisas. Temos que estimular esse evento porque ele transforma o olhar de moda na cidade. "A moda pode vender muito mais do que roupa, ela pode vender cultura" Você tem tido contato com uma realidade da periferia do DF que poucas pessoas conhecem. Conte um pouco sobre como tem sido suas visitas. Elas vêm até você ou você vai até elas? Agora que estamos próximos ao desfile, é mais fácil que elas venham até mim por causa da logística mesmo, mas eu costumo achar mais interessante ir até elas porque o entorno delas, por mais difícil que venha a ser, traz muitas referências e me faz entender o trabalho das meninas. Não é só com o BFF que eu faço esse tipo de trabalho, mas ele acaba oxigenando o meu trabalho com o Talentos do Brasil, um projeto do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Lidar com a periferia, para mim, é totalmente engrandecedor. O que mais te surpreendeu nesses anos de experiência de trabalho aqui? Comparadas com outras artesãs do Brasil, as mulheres de Brasília tem alguma peculiaridade? Claro. Aqui é onde o Brasil se encontra, então é maravilhoso ver nas sutilezas referências do nordeste, da Amazônia, do Mato Grosso, de Minas. São pessoas cujos pais trouxeram a cultura artesanal de cada um desses estados e uma nova geração tem isso tudo misturado. Está nascendo uma outra cultura, que é a mistura de várias do Brasil. Às vezes o jeito que se borda, um ponto, você só encontra aqui. Agora com 50 anos de história é que Brasília tem um início de identidade artesanal, resultado de uma mistura do Brasil inteiro e eu acho isso maravilhoso. É você mesmo quem produz a trilha sonora do seu desfile. Como a música influencia na sua criação? A música é fundamental na concepção de uma coleção de moda, ela acaba sendo a voz das roupas. Quando vou definir uma coleção, sempre tenho que ter a trilha definida, o cenário porque com isso a roupa vem. Aliás, vamos combinar que se tem um produto bem resolvido no Brasil é a música. Até as nossas piores músicas são melhores que as de alguns países. Se conseguirmos conquistar isso, pelo menos 10% pra moda, aí a moda brasileira vai ser um sucesso tremendo. Tem algum aspecto dessa trilha sonora que você possa nos adiantar? Vou fazer uma surpresa porque senão o povo lê e nem vai lá. Fazer um desfile de criança às 16h não é fácil não, você acha que é fácil? : : Ficha Técnica Criação: Ronaldo Fraga Styling: Ronaldo Fraga Cenografia: Ronaldo Fraga Trilha Sonora: Ronaldo Fraga Beleza: "Das próprias crianças"

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